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DUALIDADES (por Nuno Paiva Brandão)

No futebol, as individualidades talentosas levantam o publico nas bancadas e ganham jogos com nota artística, mas, em geral, são as equipas coesas, articuladas e bem organizadas, que conquistam os campeonatos. 

Na Liga espanhola estas duas visões do jogo, manifestaram-se com clareza: o FC Barcelona, talentoso, mas sobretudo organizado, com um sistema de jogo plenamente assimilado e funcionando com uma equipa unida e ligada, superou sucessivamente um Real Madrid anárquico, assente no jogo individualizado de Mbappé, Vinicius e Bellingham.

 Na nossa Liga, a herança de Amorim, em matéria coletiva, permitiu ao Sporting, com menos individualidades (à exceção dos dois nórdicos), ultrapassar o maior talento do plantel do Benfica. No Real Madrid, o incremento de talento com a chegada de Mbappé, desencadeou forças centrífugas no jogo da equipa. Talento disperso, por vezes contraditório e incompleto (com uma linha defensiva desastrosa), que foi reiteradamente submetido pela força coletiva do FC Barcelona.

O Benfica, sobretudo após o mercado de inverno, constituiu o plantel nacional com o maior numero de jogadores talentosos, capazes de nos entusiasmar com as suas aptidões. Mas esse talento revelou-se avulso, heterogéneo, pouco articulado e sobretudo pouco sinérgico. Veja-se o exemplo da ala direita, que numa época de futebol total, tem um jogador que ataca muito bem, mas que não defende, e outro, que defende muito bem, mas que não ataca. Ou, note-se a dispersão causada pela invenção do migrante Aursnes, que é utilizado constantemente em múltiplas posições no campo.

 O talento individual não induziu uma equipa sólida e eficiente.

 Ao contrário do Sporting, onde Amorim deixou um sistema de jogo consolidado e produtivo, Bruno Lage encontrou uma equipa colapsada.

Lage, teve o mérito de reabilitar a equipa no pós-Schmidt, mas teve um final de primeira volta muito problemático. Na segunda volta, a produção da equipa melhorou, mas sempre mais assente em proezas individuais (Pavlidis, Akturkoglu) do que na unicidade de um sistema coletivo forte e sustentado.

Quando se avalia o insucesso num só jogo, as cadeias causais são infinitas: o acaso, a influencia arbitral, as escolhas dos jogadores, os erros individuais, as substituições. Mas, quando se analisa o desempenho num campeonato de 34 jornadas, o que prevalece são as forças estruturais que moldam a performance da equipa, a eficiência do seu sistema de jogo, a profundidade da visão que aquele torna operacional. E neste particular, o Benfica tendo o melhor plantel, não foi a melhor equipa.

Extrapolar vitórias em campeonatos, apenas a partir do talento individual é tentador. Afinal, os heróis do jogo que recordamos (Eusébio, Pelé, Maradona, Messi e CR7), alcançaram um nível tão extraordinário que frequentemente venceram a lei da predominância do coletivo no futebol.

Contudo, no Benfica atual, ninguém se aproxima do génio irrepetível de Eusébio. O clube deveria tomar como exemplo o Inter de Milão. Com um orçamento muito inferior aos principais colossos europeus, o Inter edificou uma equipa potente, atual finalista da Champions. Não dispondo dos talentos individuais do Bayern e muito menos do FC Barcelona, eliminou-os no percurso da Champions, com base num formidável sistema coletivo.

Alguns jogadores conseguem entusiasmar as bancadas, outros podem levar a equipa a ganhar muitos jogos, mas só a grandeza do coletivo vence campeonatos.

Será Lage capaz de mudar o atual paradigma? É uma pergunta incómoda, mas que tem de ser feita e respondida.

Nuno Paiva Brandão

Sócio nº 50.166