A FORÇA DO TALENTO OU O TALENTO DA FORÇA?
O
contraste dos resultados do Benfica, nos últimos 16 anos, é avassalador: depois
de 6 campeonatos conquistados em 10 épocas, seguiu-se uma escassa vitória, nas
6 Ligas seguintes. O paradoxo desta última fase, é ainda mais gritante, por ter
sido um período de mais promessas, mais custos, mais investimentos e,
incongruentemente, de menos resultados.
Se
examinarmos os plantéis do período ganhador, verificamos a existência, nos
jogadores mais utilizados, de perfis de elevada capacidade de criação, de
desequilíbrio dos adversários e de grande inteligência tática. Entre outros, o
Benfica teve sucessivamente: Aimar/Di Maria-Gaitan/Salvio, depois,
Pizzi/Gaitan/Jonas e na época de 2018/19, Pizzi/Rafa/João Félix.
A
nível nacional, com este perfil de jogadores de criação, mas todos eles
dispondo de uma boa condição atlética, o Benfica edificou uma vantagem
competitiva única. Perante os desafios colocados por equipas com blocos
fechados a sete chaves, o talento encontrava as soluções.
Contudo,
recentemente, os jogadores mais criativos e desequilibradores, enfermavam de
uma condição atlética abaixo da média: Kokçu, João Mário na sua última época, e
o genial Di Maria, em final de carreira. Porventura, como reação a esta
limitação, Lage e a estrutura do Benfica parecem ter dado prioridade à
incorporação de jogadores de grande capacidade física. É assim que o trabalho
de criação de jogo, está hoje confiado a Aursnes-Barreiro-Barrenechea-Rios e os
desequilíbrios, essencialmente, ao único ala de grande relevância do plantel,
Lukébakio, infelizmente atualmente lesionado.
Ora,
sobretudo nos jogos em casa, contra as equipas mais modestas (Rio Ave, Casa
Pia, Santa Clara), este novo perfil não tem oferecido soluções. Face a equipas
igualmente atléticas, bem organizadas defensivamente e adestradas na redução do
tempo útil de jogo, a batalha de músculo contra músculo, não tem gerado bons
resultados, nem exibições para recordar.
O
vírus da primazia do atleticismo sobre o talento, parece também ter contaminado
o Real Madrid. Depois do extraordinário triunvirato Casemiro-Kroos-Modric, os
merengues afundam-se nos resultados e nas exibições, com um jogo monocórdico e
ineficiente, propulsionado pelos atléticos Tchouaméni-Camavinga-Valverde.
Já
ninguém defende a importância do talento criativo na performance do futebol ou
do desporto mais em geral?
O
campeão europeu em título, o PSG, mantém-se fiel ao paradigma do talento,
suportado por uma boa base atlética: Vitinha-João Neves-Fabien Ruiz. Na nossa
seleção, a prioridade é a mesma, juntando Bruno Fernandes e Bernardo Silva à ação
dos dois campeões europeus de clubes. No desporto mais atlético do mundo, a
NBA, os dois melhores jogadores são os melhores atletas? Interessantemente, os
dois MVP são Luka Doncic e Nikola Jokic, duas superestrelas com ligeira
tendência para o sobrepeso.
O
mercado de janeiro, embora restringido pelas limitações orçamentais, e a aposta
em jovens da formação, não obstante ser o futebol uma indústria de meritocracia
condicionada, são oportunidades para voltar a dar ênfase ao talento criativo. É
certo que outras carências existem, sendo a mais evidente a falta de soluções
para as alas.
Estou
confiante que Mourinho saberá articular as várias dimensões das nossas
necessidades e aproveitará aqueles dois vetores para reequilibrar o plantel,
nomeadamente balanceando os atributos físicos da equipa, com o talento criativo
e a inteligência tática que tanto nos diferenciaram no passado.
Resulta
difícil de compreender que no início da época se tenha preterido a força do
talento, pelo talento da força. Mas como diz o provérbio popular: "Errar é
humano, retificar é de sábios".
Nuno Paiva Brandão
(Sócio
50.166)